A antropóloga do Serviço de Regularização de Territórios Quilombolas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária na Paraíba (Incra/PB), Maria Ester Fortes, explicou que cada comunidade tem uma dinâmica e que, por isso, não é possível fazer uma avaliação precisa sobre a influência cultural que o meio urbano pode ter.“Porque a gente faz essa associação, normalmente, de que uma comunidade isolada preserva sua cultura, mas cultura é uma coisa dinâmica. Tanto na zona urbana, como na zona rural, cultura não é uma coisa estática, então sempre é um processo em movimento. A comunidade está sempre dialogando com seu entorno”, disse.
Titulação do território quilombola
Conforme Maria Ester Fortes, a comunidade urbana de Serra do Talhado está em uma etapa considerada avançada do processo de titulação, uma vez que uma portaria, que reconhece os limites territoriais da remanescente quilombola, já foi publicada no Diário Oficial da União e dos estados.
Contudo, isso só foi possível após a certificação e a elaboração de um relatório técnico de identificação e delimitação. “Esse relatório vai estabelecer a relação entre a história da comunidade, os aspectos sociais, culturais e o território que está sendo pleiteado”, comentou.
Segundo ela, também são analisadas as relações de parentesco na região e o aspecto fundiário da área, ou seja, qual a condição da terra, se é pública ou privada, quem são os proprietários e se esses fazem parte da comunidade. Além disso, todos os membros do grupo são cadastrados.
“A partir daí o Incra vai entrar em contato com todos os interessados no processo. No caso, se a gente tiver proprietários particulares inseridos dentro da área identificada, o Incra vai ter que notificar esses proprietários, vai notificar os confinantes do território e também precisa notificar um conjunto de 12 órgãos estatais”, disse.No caso da remanescente urbana de Serra do Talhado, dados do Incra indicam que há 125 famílias cadastradas. Gileide afirmou que assumiu o papel de representá-las nessas questões após a morte da irmã, Maria do Céu, há cinco anos. Entretanto, comentou que parte da comunidade não tem se envolvido com o assunto.
“Assim que a minha irmã morreu eu fui chamada para uma audiência, mas isso já faz uns quatro anos e não me procuraram mais. E eu estou até deixando, porque quem foi representar todo mundo fui eu, mas na minha comunidade infelizmente eles não foram no momento em que foi chamado para o fórum, para a gente depor”, disse.
Ela acredita que o medo pode ser um dos motivos que tem afastado outros dessa luta. “Eu acho que é muito assim: assistem muito jornal e veem o que acontece nas outras comunidades e evitam. Porque você sabe, quando chega essa parte, às vezes acontece até morte. Graças a Deus não é o caso da gente aqui, nunca aconteceu, mas a gente acaba evitando”, comentou.
Após a publicação da portaria, porém, ainda é necessário que a comunidade passe pelas etapas de “Decreto de desapropriação” - em que as terras serão avaliadas e desapropriadas conforme o preço de mercado - e de “Titulação”, que confere um título coletivo à comunidade, que é proibida de vender ou penhorar o território.
Cortes orçamentários para demarcação
De acordo com o procurador regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, José Godoy, a baixa liberação de recursos públicos para a demarcação de terras quilombolas em todo o país tem prejudicado os processos, porque a desapropriação tem um custo de indenizações.
“Nós temos tido sérios problemas em relação a isso, em virtude de uma forma nova de ‘estrangular’ essa questão, que é através de um corte orçamentário, uma realidade que muito nos preocupa. Nós já ajuizamos ações, em que fomos vencedores, no caso da comunidade de Alagoa Grande, de Caiana dos Crioulos, em que a União foi obrigada a demarcar. Esse processo está andando já por ordem judicial, mas não tem sido algo fácil”, declarou.“É um longo caminho. Infelizmente com os cortes orçamentários que têm acontecido, por parte do Governo Federal, é algo muito preocupante, porque tem praticamente colocado ao pó o sonho de ter o seu território demarcado”, afirmou.
O procurador destacou, porém, que há uma audiência marcada para dezembro deste ano com o Governo do Estado, uma vez que, segundo ele, há a possibilidade de que esse poder defina esses territórios.
“O entendimento constitucional é de que a terra indígena só pode ser demarcada pela União, mas terra quilombola tem a possibilidade do Governo Estadual fazer”, frisou.
“Há uma lei em que o Governo do Estado é autorizado a demarcar terras quilombolas e essa lei nunca foi posta em prática. A nossa ideia é conversarmos com a equipe de transição, com o novo governador, para discutirmos a possibilidade também do Estado da Paraíba entrar nessa questão e poder ser mais um fomentador da política pública tão relevante que é a demarcação das terras quilombolas”, salientou.