A família diz que as drogas foram plantadas para incriminá-la, porém, nesta quinta-feira (23), o judiciário do país asiático deve realizar o julgamento do caso. Conforme organismos internacionais, as penas para crimes relacionados com drogas variam a depender do contexto.De acordo com a Anistia Internacional, em um relatório produzido sobre o Camboja em relação à "guerra contra as drogas" no país do Sudoeste Asiático, existem pelo menos três penas para pessoas pegas com entorpecentes de qualquer tipo no país, previstos em três artigos da Lei de Controle de Drogas do Camboja, de 2012:
Tráfico de drogas - 2 a 20 anos de prisão;
Posse de drogas - 2 a 5 anos (até 10 em reincidência);
Consumo de drogas - 1 a 6 meses, até 1 ano em reincidência.
No caso apontado para o crime de consumo de drogas no país, a Anistia Internacional aponta que essa tipificação é posta sobre indivíduos que “já tenham aceitado tratamento compulsório”.
Quem é Daniela Marys?Daniela Marys de Oliveira tem 35 anos e é arquiteta. Natural de Minas Gerais, ela estava morando na capital paraibana João Pessoa desde novembro de 2024. Segundo a mãe de Daniela, Myriam Marys, a filha fala inglês fluentemente e "não é uma pessoa sem instrução". Até janeiro de 2025, a arquiteta enviou vários currículos para vagas de emprego na internet e encontrou uma que particularmente chamou atenção: uma vaga temporária para trabalhar como telemarketing no Camboja.
Daniela embarcou para o Camboja no fim de janeiro de 2025 mesmo contra a vontade da família. Até fevereiro, mãe e filha se comunicavam normalmente através de aplicativos de mensagem online, mas em março a família começou a receber mensagens suspeitas, enviados por supostos golpistas que se passaram pela brasileira.
Ainda de acordo com a família, os golpistas teriam pedido dinheiro para Daniela pagar uma multa de rescisão contratual no trabalho como telemarketing. O valor da multa, US$ 4 mil, cerca R$ 27 mil, foi transferido, mas depois disso Daniela ligou para a mãe e contou que foi detida injustamente por tráfico de drogas no Camboja.
“Ela me ligou do telefone de um policial dizendo que estava presa. Disseram que encontraram três cápsulas de droga no banheiro e a acusaram de tráfico. Ela implorou para fazer um teste toxicológico, mas nunca deixaram”, contou Myriam.A mãe explicou que Daniela havia dito que essas cápsulas de droga foram colocadas no local porque ela havia recusado participar de um esquema de golpes na internet.
Em 2004, o Brasil ratificou o Protocolo de Palermo por meio do Decreto nº 5.017, comprometendo-se internacionalmente com a prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, especialmente de mulheres e crianças. O documento, adotado pela ONU, estabelece que o consentimento da vítima é irrelevante quando obtido por meio de fraude, coação ou abuso de poder.
Ou seja, mesmo que Daniela tenha aceitado ir ao Camboja para trabalhar em um esquema de telemarketing, se essa decisão foi influenciada por engano ou exploração, ela ainda é considerada vítima de tráfico humano segundo o protocolo. Essa interpretação é reconhecida por organismos internacionais.
Como é a prisão em que brasileira está no Camboja
Anistia Internacional aponta problemas com direitos humanos no Camboja
Esse mesmo relatório da Anistia Internacional aponta que o Camboja, na prática de combate às drogas, vem reincidindo ao longo dos anos em práticas de violação de direitos humanos e "superlotação de prisões". A mãe de Daniela, inclusive, disse que a filha está em uma cela superlotada em uma penitenciária, com cerca de 90 mulheres.
"As autoridades atacam pessoas pobres e marginalizadas, realizam detenções arbitrárias e sujeitam os suspeitos a tortura e outras formas de maus-tratos", diz a Anistia Internacional.
A análise faz um recorte até o período de 2020 do Camboja, no qual o país era comandado pelo primeiro-ministro Hun Sen, que foi sucedido pelo próprio filho Hun Manet, após governar o país por cerca de quatro décadas e implantar a política antidrogas.
O relatório ainda aponta que a prisão de pessoas pelo consumo de drogas também é questionável e fomenta a superlotação do sistema penitenciário cambojano.
O Camboja é um país com mais de 17 milhões de habitantes e opera sob um regime de monarquia constitucional parlamentarista. Além do primeiro-ministro, que é o chefe do Executivo, e que detém o poder, há um rei, que atualmente é Norodom Sihanouk, que é apenas uma figura com atuação simbólica e representativa.
Superlotação em prisão que brasileira estáA brasileira Daniela Marys de Oliveira está na prisão Provincial de Banteay Meanchey no país asiático, que tem um histórico de superlotação, registro de morte e até inundações.
De acordo com o noticiado pela mídia do Camboja, um levantamento feito em relação as prisões do país, entre elas a que a brasileira está presa, as penitenciárias estão operando acima da capacidade que suportam. O levantamento destaca que a operação está 200% acima do que é suportado, com o número de presos aumentando 23% nas unidades.
Também conforme a mídia local, em dezembro de 2024 cerca de 75% das pessoas presas no Camboja estavam em regime de prisão preventiva e não haviam sido julgadas formalmente por nenhum crime até aquele momento.
Registro de morte em penitenciária
Em março deste ano, um detetento de 22 anos morreu na prisão Provincial de Banteay Meanchey, devido a um problema cardíaco e falta de oxigênio no cérebro, segundo a mídia do Camboja. Ele foi preso em 2023, por posse e transporte de armas sem permissão, violência intencional, roubo e uso de drogas ilegais.
Condenado a três anos de prisão e tendo cumprido, até aquela altura, um ano e dois meses de detenção, a família do preso reportou para a mídia local que a morte dele estava associada a superlotação na penitenciária.
Segundo o pai do detento que morreu, o próprio homem disse a ele em uma visita na prisão que as instalações em que estava eram superlotadas.
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Histórico de inundações
A prisão Provincial de Banteay Meanchey também tem um histórico de inundações que geram problemas para os detentos recorrentemente. A província onde a prisão está situada, que leva o mesmo nome da penitenciária, fica a noroeste do Camboja e a imprensa do país registra diversas inundações na região que atingiram várias pessoasEm 2020, por exemplo, tempestades mataram 18 pessoas e 25 mil tiveram que ser evacuadas de suas casas. Por conta dessas inundações, a prisão de Banteay Meanchey também teve que evacuar alguns detentos à época. A elevação das águas forçou as autoridades locais a evacuar mais de 1.600 prisioneiros.
Anos antes, em 2013, 842 prisioneiros também tiveram que ser movidos de local por conta de outras fortes chuvas que inudaram a região. Conforme a mídia local, o nível da água chegou à altura do pescoço dos detentos.
Naquele mesmo ano, 104 pessoas morreram no país por conta das enchentes. A região é cortada pelo rio Mekong, que com as tempestades transborda e causa os transtornos. Calcula-se que 1,5 milhão de pessoas foram de alguma maneira afetadas pela enchente.
O que diz o Itamaraty
Em nota, o Itamaraty disse que "tem conhecimento" do caso. No entanto, não deu detalhes do que está sendo adotado como providência para ajudar Daniela no Camboja.
"A Embaixada vem realizando gestões junto ao governo cambojano e prestando a assistência consular cabível à nacional brasileira, em conformidade com o Protocolo Operativo Padrão de Atendimento às Vítimas Brasileiras do Tráfico Internacional de Pessoas", diz a nota.De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, em 2024 foi prestada assistência a 63 brasileiros em situação de tráfico de pessoas, dos quais 41 no Sudeste Asiático.
Fonte:https://g1.globo.com